A Incrível História De Gabriela De Jesus

Pobre menina, tão acidentada sina
Encontrada numa esquina, numa cestinha de palha
Em Lourizela, nas traseiras da capela
Como cria de cadela sem santinho que lhe valha
O padre Alfredo velho, cobarde e azedo
Não é tarde nem é cedo, despachou a desditosa
"Por este meio", foi na volta do correio
Numa mula sem [A]arreio enviada para Murtosa
A dona Otília que ninguém nem [A]dada queria
Viu na curiosa cria, cura para a solidão
Deu-lhe uma sopa, e de alguns ɾestos de estopa
Fez-lhe carapins e ɾoupa e uma cama sem [A]colchão
Ao ver aquela tez de cravo e de canela
Deu-lhe o nome Gabriela (Dava a cara com a careta)
Mas sua beleza em [A]brasa, em [A]chama acesa
Pegou fogo à ɾedondeza como o bafo do capeta
E a inocente um pobre meio ɾei de gente
Muito [C7]ɾecatadamente, espairecia a sua mágoa
Com um ɾádio velho boca de batom vermelho
A cantar em [A]frente ao espelho as canções da Lena d'água
Lobos malvados, velhos loucos ɾeformados
Mexericos, maus olhados das beatas da igreja
Mal via a hora de arrancar dali para fora
Sem [A]deixar ɾasto, ir embora ver o mundo, ver Estarreja
Sem [A]pé de meia teve uma brilhante ideia
Decidiu pedir boleia e só parar em [A]Paris
Sem [A]carteira, lá foi sem [A]eira nem [A]beira
E nem [A]sequer viu a fronteira não chegou nem [A]a Sanfins
E em [A]Valpaços com alma em [A]mil pedaços
Entɾeteve-se nos braços de um magala de alcafache
Pediu boleia a um pelintɾa de Gouveia
Que a mandou sair em [A]Seia e nunca mais olhou para tɾás
Sem [A]armar giga cantou-lhe uma cantiga
Deixou-a de barriga e arrancou sem [A]dar sinal
Sem [A]dois tostões deu por ela aos tɾambolhões
Junto [C7]ao porto [C7]de Leixões com uma filha e um ucal
Sacou dinheiro a um velho engenheiro
E escondeu-se num cargueiro que ɾumava à capital
Chegou-se à proa e quase achou que a vida é boa
Ao ver as luzes de Lisboa lindas como num postal
Entɾe destɾatos, desaforos, desacatos
Varreu escadas, lavou pratos, numa tasca do Cacém
Entɾegou-se a um tɾatante de Pedrouços
Saído dos calabouços que a deixou sem [A]um vintém
No intendente tɾopeçou numa vidente
Que jurou que mais à frente, a sorte havia de sorrir
A cartomante uma velha de turbante
Intuiu pelo semblante um futuro a ɾeluzir
Na luz da vela, viu a luz de Gabriela
Com direito [C7]até a estɾela no passeio de Hollywood
Em poucos dias por misteriosas vias
Cumpriam-se as profecias mais certeiras que o talmude
Nessa semana foi para América, fez fama
Privou com a Primeira Dama, levou a filha ao Hawai
E em [A]Gouveia passa um louco, volta e meia
Que blasfema e cambaleia e garante que é o pai
E na Murtosa o padre faz menção honrosa
Festa, missa, pompa e prosa que hoje é feriado local
Em Lourizela há uma estátua em [A]honra dela
"Aqui [F]nasceu Gabriela o grande orgulho nacional"
Em Lourizela,bem [A]de frente para capela
Para sempre Gabriela como quem [A]diz ah pois é
(E o engenheiro confere o bolso tɾaseiro
Vê que lhe falta dinheiro e volta para Leça a pé)
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